Escolha alguém com mais dúvidas que
certezas...
De verdade,
desconfio muito de gente que sempre tem certeza de tudo, que não hesita em
momento algum e que sempre quer fazer parecer estar um passo à frente. Nada
contra, mas talvez tanta convicção deixe passar alguns lampejos de loucura
essenciais pra vida da gente.
Aquele que não hesita frente ao momento
decisivo de algum primeiro beijo (são muitos os primeiros beijos dessa
estrada), não me representa. Menos ainda aquele que afirma com todas as letras
que tem certeza daquilo que quer pra vida toda. Pessoas assim costumam se
fechar a qualquer coisa que vá contra o seu plano, tornam-se duras feito
pedras, esquecendo do ditado essencial que ensina que água mole em pedra dura…
vocês sabem o resto.
Hoje, quero. Amanhã, também. Depois,
quem sabe? Não se trata de ser volúvel, mas de assumir que somos inconstantes
como as marés. O desejo é água de mar, umas vezes tranquila e convidativa,
outras vezes forma vagas gigantescas e assustadoras que rebentam contra as
pedras que mais cedo ou mais tarde vão ceder às incessantes investidas da
natureza cega. Metamorfose ambulante, como diria Raul.
Quero poder hesitar entre pedir carne
ou peixe, entre cinema francês e escandinavo, entre Cindy Lauper e Madonna,
entre Count Basie e Jimmy Smith, entre bolacha e biscoito. Quero ter dúvidas
sobre o que a mulher amada acha disso ou daquilo, pois quero dar a mim e a ela
o direito de errar, de fazer escolhas duvidosas e voltar atrás.
Não é pelo
direito de ficar em cima do muro, é pelo direito de explorar os terrenos pelos
quais se interessar e poder ver com os próprios olhos a terra mais fértil, o
caminho menos íngreme, mais arborizado. A certeza pode representar fraqueza
quando acompanhada daquele orgulho que impede o capitão de abandonar o navio.
Se a dúvida é um vício, deveria ser considerado os mais benéfico deles. A
dúvida é bambu (sem piadinhas estilo Silvio Santos), forte e adaptável às
intempéries do tempo, enquanto a certeza é rude carvalho a ser abatido pelas
tempestades interiores.
Me cativa o desafio
que é dizer “não sei”. Só sei que nada sei, dito assim, de supetão. O fascínio
de conversar com a parceira antes de fazer uma escolha qualquer, seja ela sobre
casamento ou prato para o jantar.
Não estou dizendo que todos devemos ser
interrogações ambulantes; apenas lembro que reticências são tão importantes
quanto pontos finais.
Jocê
Rodrigues
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